Psicologia sim, de massas não.
O texto da Luciana Garbin publicado no Estadão em 19 de janeiro de 2023 confirmou a minha impressão de que essa temporada do Psicologia Política Pop é realmente necessária. Partilho com Luciana o diagnóstico de que há limites importantes as teorias de ciência política para explicar o que vivemos hoje, e sendo um ex-psicólogo clínico que se sabe social, defendo que a psicologia tem muito a dizer sobre a política. Afinal, acredito que quem ama algo, cuida desse algo.
A tomar pelo rigor, ritmo, leveza e clareza do texto, acredito que a Luciana ama o seu ofício tanto quanto eu amo o meu. Por isso, quero me juntar ao esforço dela e engrossar o argumento do texto apresentando outras ideas em psicologia que podem nos ajudar a pensar em táticas coletivas para fazer o "detox de delírio" e olharmos para "as fontes do radicalismo"
Poucas noções são tão usadas para pensar a psicológica da política como as teorias de massas agindo irracionalmente sob o comando de um líder carismático [Pausa, foi a ela que os jornalistas do The Guardian e do The New York times recorreram para explicar a insurreição em Brasília no 08 de Janeiro de 2023, enquanto a comparavam com a de Washinton em 06 de Janeiro de 2021 ] . A ideia remonta um tempo em que "os intelectuais, sempre oriundos das elites, rebaixaram aqueles que protestavam classificando os como uma multidão irracional”. A ideia já era popular o suficiente quando encontrou guarida, reforço e fama graças as análises de Freud em Psicologia das Massas e Análise do Eu publicado em 1921. De lá para cá, essa compreensão foi usada como base para formulações mais ou menos refinadas sobre a dimensão imprevisível, irracional e as bases inconscientes das ações políticas envolvendo meios agreesivos.
A crença de que os indivíduos que participam de protestos, principalmente onde há violência são guiados por impulsos emocionais extremos e comportamento irracional, reduzi pensamentos, palavras, estratégias e intenções a um núcleo de impulsos destrutivos da humanidade”.
Para começar ela não leva em conta os fatores estruturais que motivam os indivíduos a participar de protestos. Por exemplo, a sensação de perda de status social, a construção coletiva do medo e do terror, a percepção opressão política por um inimigo poderoso são elementos cruciais na organização de protestos e movimentos populares. Contudo, a teoria da ação de massa tem pouco a dizer sobre como esses fatores influenciam o comportamento individual.
Na esteira dessa limitação, a ideia também diz muito pouco, ou quase nada, sobre o papel dos líderes e do planejamento estratégico na formação e direção das ações coletivas. Atos de vandalismo como os que vimos em Brasília no dia 8 de Janeiro são resultado de cuidadosos planejamentos e organização por líderes e militantes, que trabalharam anos para mobilizar indivíduos e construir apoio para a causa bolsonarista.
Por fim, esse modo de ver o que está acontecendo concebe os cidadãos como passivos e facilmente influenciados por impulsos emocionais, em vez de agentes ativos tomando decisões conscientes de participar de protestos e empregar táticas violentas. Os idosos que se socializaram via Whatsapp na pandemia e que passaram anos partilhando angústias, dúvidas e fake news com os seus pares no apoio ao populismo digital bolsonarista
balizaram o seu comportamento individual com as normas de comportamento do seu grupo. Foi com base em papéis sociais e expectativas de condutadesenvolvidos nos espaços digitais onde eles estavam que eles se radicalizaram.
Em suma, ainda que a idéia de psicologia das massas seja hyper popular forneça insights instagramáveis sobre os impulsos emocionais que levam os indivíduos a participar de protestos, gastar tanto tempo com ela nos impede de falar de identidade, formação de grupos socialização em rede e outras noções que podem nos ajudar a desenhar estratégias para criar outras normas de comportamento para esses grupos radicais.